Imagine crescer admirando as estrelas no tapete vermelho do Oscar, até que um dia, o jogo vira: é você naquele tapete, segurando a estatueta de ouro por ter trabalhado em um dos filmes mais aclamados pela premiação. Pois essa é a história de Daniel Dreifuss, produtor de “Nada de Novo no Front”. Indicado a nove categorias, o longa que ele produziu saiu vitorioso em quatro: Melhor Filme Internacional, Direção de Arte, Fotografia e Trilha Sonora Original, consagrando-se como o segundo maior ganhador do Oscar 2023.
O que poucos belo-horizontinos sabem, porém, é que o produtor de “Nada de Novo no Front” é nosso conterrâneo. Antes de chegar em Hollywood, ele era frequentador assíduo de cinemas de rua de BH, era adepto da cultura boêmia do Santa Tereza e assistia às cerimônias do Oscar de sua casa no Sion, sem jamais imaginar que um dia estaria naquele palco.
Após ser agraciado com quatro Óscares na cerimônia de 2023, o Belo Horizonte Secreto entrou em contato com o produtor para conversar sobre a sua relação com Minas Gerais. Conheça agora a trajetória de Daniel Dreifuss, que há vinte anos vem representando a capital mineira nas luzes de Hollywood.
Mineiro de alma e coração
Daniel Dreifuss (44) nasceu na Escócia, enquanto seu pai fazia doutorado no país. Com menos de dois anos sua família voltou para a América, portanto, mesmo nascido no exterior, ele jamais se considerou algo além de brasileiro. “Eu não tenho nenhuma memória antes de chegar no Brasil”, conta. “Foi onde eu aprendi a ler, escrever, andar, correr… A minha história de vida é toda no Brasil, e mais especificamente, em Belo Horizonte”.
O pai de Daniel era René Dreifuss, um importante cientista político e estudioso do Golpe Militar de 1964. Após o doutorado, René foi convidado para dar aulas na Universidade Federal de Minas Gerais, e trouxe sua família – incluindo o pequeno Daniel – para morar em Belo Horizonte. A família se instalou inicialmente no Anchieta, região Centro-Sul, e depois migrou para o vizinho Sion.
A minha Belo Horizonte era isso: Sion, Anchieta, Savassi… Naquela época, a cidade me parecia imensa. Eu fui descobrir o Santa Tereza quando era adolescente, por exemplo, porque para a minha vivência de criança ele era tão longe! Mas de mais velho, eu fui descobrindo toda a cidade. Comecei a ir no Bolão, nas noitadas, a mergulhar nessa cultura de bares que existe em BH”.
Influência dos cinemas de rua
Ainda criança, os pais de Daniel Dreifuss se separaram. O pai se mudou para o Rio, e ele continuou com a mãe em Beagá. Juntos, eles tinham o costume de ir ao cinema, de início para assistir a desenhos para crianças. Mas com o passar do tempo, o jovem Daniel passou a se interessar por filmes “mais complexos”.
“Eu era muito curioso, e minha mãe apoiou essa curiosidade. Ela me levava para assistir todos esses grandes filmes europeus da década de 1980, que eram muito além da minha capacidade de compreensão à época”, ele lembra. Para Daniel, essa atitude da mãe lhe permitiu abrir “uma janela para o mundo”, e influenciou a sua decisão de se tornar produtor na vida adulta.
Esse trabalho que a minha mãe fez, de expor uma criança curiosa ao mundo… Eu acho muito bonito. Teria sido muito fácil dizer ‘isso não é filme para criança’ e me deixar em casa, mas não. Ela me incentivou, porque acreditava que eu levaria alguma coisa dessa experiência, e estava certa. Eu agradeço muito a ela.”
Muitos dos cinemas que Daniel visitava com sua mãe são desconhecidos para as gerações atuais: Royal, Acaiaca, Jacques, Pathé. Apesar da importância que eles detinham na cena cultural de BH, todos foram desativados. “Os cinemas de rua estão acabando. Viraram shopping, igreja, estacionamento… É uma tristeza que os cinemas da minha infância, que me fizeram amar o cinema e onde eu tive tantas experiências lindas, tenham se perdido“, lamenta.
Oscar: uma obsessão de anos
Chegando na adolescência, Daniel Dreifuss adquiriu um interesse curioso: a cerimônia do Oscar. Ele assistia a todos os filmes indicados, para fazer as suas próprias apostas de quem merecia os prêmios. Ele lembra que, naquela época, os filmes demoravam a chegar no Brasil. Sendo assim, era preciso fazer uma maratona para assistir a todos antes da noite da cerimônia.
Eu via vários por dia. Entrava em uma sala e assistia a um, saía, emendava outro em seguida… Já na década de 1990, por exemplo, eu me lembro de ter visto ‘Pulp Fiction’ no Belas Artes, saído da sala e ido direto para ‘Quiz Show’. Eu ia muito no Belas Artes. Estava sempre ‘enchendo o saco’ do pessoal de lá, para me darem pôster dos filmes (risos)”.
Um pé em Hollywood, outro em Beagá
Aos vinte anos, Daniel se mudou para o Rio de Janeiro para fazer faculdade. De lá foi para Los Angeles, onde cursou um mestrado em produção cinematográfica pelo American Film Institute e ingressou, aos poucos, no mundo de Hollywood. Ele segue morando nos Estados Unidos desde então.
Apesar da distância física, suas raízes continuam fortes com a terra natal. Sua mãe e amigos próximos continuam no Brasil, e ele volta ao país todos os anos para visitá-los. “E eu também preciso re-estocar os doces de Minas Gerais“, ele acrescenta. “Eu tenho uns sete tipos de doces diferentes na geladeira agora, goiabada, bananada, doce de leite… Tem que voltar para casa e trazer muita coisa na mala”.
Sua próxima viagem a Belo Horizonte já está marcada, e ele tem grandes planos: voltar ao Mercado Central.
Eu acho o Mercado uma coisa única. Foi algo da minha infância que eu redescobri ao final da adolescência, como um lugar que eu adorava ir com os amigos”, ele lembra, nostálgico. “Daqui a pouco eu ‘tô’ voltando para tomar o suco de limão do Rei da Limonada, comer a empada de jiló, todos os quitutes da minha infância.”
Ainda teremos um Oscar mineirinho?
Em vinte anos de carreira, Daniel Dreifuss já produziu longas em diversos países pelo mundo. “Nada de Novo no Front”, por exemplo, foi filmado na Alemanha; e em 2012, ele integrou a equipe de “No”, longa-metragem chileno que concorreu a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2013.
E um filme em BH, será que rolaria? “Eu não escolho os meus projetos apenas pelo lugar, ou por um elemento só”, ele explica, sob a perspectiva de filmar em sua cidade natal. “Mas se chegar até mim uma história que tenha a ver com Belo Horizonte, absolutamente sim. Tem muita gente incrível fazendo cinema por aí”.
De exemplo, ele lembra o filme “Marte Um”. O longa-metragem segue a história de uma família de classe média-baixa de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. “Marte Um” foi aclamado como Melhor Filme pelo júri popular no Festival de Cinema de Gramado, e havia sido selecionado pela Academia Brasileira de Cinema para nos representar no Oscar 2023.
Tem muita gente interessante em Minas, no Brasil como um todo. Então se me surgir alguma história que se passe em Belo Horizonte ou tenha sentido ser filmada aí, por que não? Seria um prazer filmar no lugar onde eu cresci.”
Conheça o trabalho de Daniel Dreifuss
“Nada de Novo no Front” se passa durante a Primeira Guerra Mundial. Ele segue a história de Paul Bäumer (Felix Kammerer), um jovem que se alista com os amigos ao exército da Alemanha, influenciado por uma forte onda patriótica. No entanto, isso muda assim que ele conhece a realidade brutal vivida pelos soldados no front. Pelo bem de seu país e de seus superiores, porém, ele deve seguir lutando até o fim.
O projeto de “Nada de Novo no Front” chegou às mãos de Daniel há dez anos atrás. À época, o enredo estava em inglês e as filmagens aconteceriam no Reino Unido. Mas o produtor decidiu levar as filmagens de volta para a Alemanha, no idioma local, para manter a originalidade do enredo.
A mudança deu ótimos resultados. “Nada de Novo no Front” venceu nas categorias de Melhor Filme Internacional, assim como Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Design de Produção.