No dia 21 de março, celebra-se o Dia Mundial da Poesia. Em 125 anos de existência, Belo Horizonte já foi lar (ou destino) de diversos poetas e escritores aclamados no Brasil e no mundo, o que acabou influenciando na sua aparição em muitas de suas obras.
Vamos conhecer alguns poetas que fizeram de Belo Horizonte a sua musa?
Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987)
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, a aproximadamente 100km de BH. Mudou-se para a capital de Minas para estudar, onde foi aluno do Colégio Arnaldo no ciclo básico, e da Escola de Odontologia e Farmácia da UFMG durante o ciclo superior. Ele obteve o diploma de farmacêutico, porém, nunca se identificou com a profissão. Em vez disso, Drummond atuou como contista e cronista para importantes jornais da época, como Diário de Minas e O Globo. Além do mais, se tornou um dos poetas brasileiros mais influentes do século 20.
A vivência mineira e belo-horizontina prestam um papel importante na carreira literária de Drummond. Morando na capital, ele frequentou o círculo literário da época e ficou amigo próximo de intelectuais como Mário de Andrade e Pedro Nava. Alguns pontos de encontro muito frequentados por eles eram o antigo Café Estrela (próximo à Rua dos Goitacazes) e o Viaduto Santa Tereza.
No decorrer de sua vida, porém, o sentimento de Drummond por BH mudou. Diversos prédios clássicos foram demolidos e espaços culturais foram desativados — como o finado Cinema Odeon, na Rua da Bahia, que o poeta frequentava na juventude. Esse descaso com o patrimônio da cidade entristecia o poeta, que em 1976 escreveu “Triste Horizonte”, no qual desabafa seu distanciamento com a nova capital, e a nostalgia de uma cidade que não existe mais.
Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser. […]
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor.”– “Triste Horizonte” (1976)
Fernando Sabino (1923 – 2004)
Fernando Sabino nasceu em Belo Horizonte, filho de um imigrante italiano e uma brasileira. Ele foi aluno no Grupo Escolar Afonso Pena, no bairro Boa Viagem, e se tornou atleta de natação do Minas Tênis Clube durante a adolescência. Na juventude, iniciou o curso na Faculdade de Direito (hoje parte da UFMG), mas não terminou a graduação.
Sabino começou a escrever jovem, com doze anos. Uma de suas obras mais conhecidas atualmente é “O Encontro Marcado” (1967), que se passa em grande parte em Belo Horizonte e foi inspirada em memórias do autor. A trama segue a Eduardo Marciano, um jovem belo-horizontino em busca pelo sentido de sua existência. O enredo é uma obra de ficção com influências de auto-biografia, servindo como um panorama da juventude boêmia e intelectual da Beagá dos anos 1940.
Além de escritor, Sabino também foi poeta e jornalista. Aos 21 anos trocou BH pelo Rio de Janeiro, e a partir daí, voltou à capital mineira apenas como visitante. No entanto, até os últimos anos de vida, Fernando Sabino escrevia com frequência sobre a nostalgia que sentia sobre a cidade.
Pois aqui estou eu, no Othon Palace Hotel (no Bar do Ponto de meu tempo). Mal acabo de chegar, me enveredo pela Rua da Bahia acima. Um só quarteirão basta para superar antigas lembranças. Tudo do meu tempo foi substituído por lojas modernas em prédios arrojados, de uma grande metrópole que estou vendo pela primeira vez. Ganho a Rua Goiás, do antigo Estado de Minas de tantas recordações. Vou subindo a Avenida João Pinheiro, admirando de passagem o novo prédio da Faculdade de Direito – em lugar daquele onde iniciei o curso superior (só Deus sabe onde e como o terminei). […]
Então despenco de volta Rua da Bahia abaixo, revendo o que existe só na minha imaginação. Mas aqui está a Igreja de Lourdes de meu batismo e da primeira comunhão!
Entro para uma rezinha maneira, pedindo a Deus que abençoe esta moderna capital de Minas. […]
– “BH – Ontem, hoje e sempre” (2001)
Henriqueta Lisboa (1901 – 1985)
Nascida em Lambari (MG), Henriqueta Lisboa não morou em Belo Horizonte em sua juventude. Pelo contrário, a poeta viveu grande parte de sua vida no interior de Minas e no Rio de Janeiro antes de chegar à capital mineira, aos 34 anos. No entanto, isso não diminui a importância de BH em sua trajetória.
Na capital mineira, Henriqueta atuou em diversas profissões: de inspetora do ensino secundário, até professora universitária de literatura na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Maria (hoje Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e na Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta época, a poeta morava na Rua Pernambuco, 1338, na Savassi. Hoje em dia, há uma estátua em homenagem à escritora em frente ao prédio em que morava.
Importante tradutora e escritora, Henriqueta era amiga e correspondente de outros autores que passaram por BH, como Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade.
Uma cidade se levanta
do solo às nuvens.
De atalhos parte para avenidas.
Do caos se amolda à geometria:
triângulos quadriláteros círculos.
Uma cidade sobe dos prados
para o lombo das serras. […]Uma cidade se assemelha às outras
porém se a amamos é única:
tem a forma de um coração
traz nosso aroma predileto
é a paina do travesseiro
em que repousa a nossa fronte.Belo Horizonte bem querer.
— “Belo Horizonte bem querer” (1972)
Mário de Andrade (1893 – 1945)
Por último em nossa lista de poetas que imortalizam Belo Horizonte, temos um dos ícones do movimento modernista: Mário de Andrade. Ao contrário dos outros autores, ele não nasceu em BH. Ele nem ao menos morou na cidade, tendo imortalizado-a graças aos encantos que percebeu enquanto turistava por aqui.
Natural de São Paulo capital, o poeta era amigo próximo de diversos autores belo-horizontinos, como citado anteriormente em outros tópicos. Em 1924, por ocasião da Caranava Modernista, o poeta fez sua segunda visita à capital de Minas. Foi nessa época que ele escreveu “Noturno de Belo Horizonte”, em homenagem às noites de Beagá.
Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos,
Calma do noturno de Belo Horizonte…
O silêncio fresco desfolha das árvores
E orvalha o jardim só. […]Dorme Belo Horizonte.
Seu corpo respira de leve o aclive vagarento das ladeiras…
Não se escuta siquer o ruído das estrelas caminhando…
Mas os poros abertos da cidade
Aspiram com sensualidade com delícia
O ar da terra elevada.Ar arejado batido nas pedras dos morros,
Varado através da água trançada das cachoeiras,
Ar que brota nas fontes com as águas
Por toda a parte de Minas Gerais.– “Noturno de Belo Horizonte” (1924)